Você sabiam que Edgar Allan Poe tinha um bom trato para com os contos de humor?
Isso mesmo que você leu, humor, por mais mórbido que as vezes possam parecer.
Essa nova face do nosso querido escritor terá uma atenção especial a partir de agora aqui no Blog do Poe.
Apesar de sua sensibilidade mórbida, de sua inteligência voltada, para temas sérios e profundos, de seus sofrimentos, de sua vida dolorosa e trágica, uma faceta havia na personalidade complexa de Poe, tão essencial quanto a séria, a dramática, a da angústia e do terror: a faceta do humor e da ironia, do sarcasmo e da pilhéria, a que ele deu realce escrevendo quase mais contos desse gênero do que do gênero trágico. Este aspecto da personalidade de Poe parece ter escapado ou não ter agradado a Baudelaire, pois ao verter-lhe a obra para o francês não se dignou traduzir a quase totalidade das suas estórias grotescas.
No entanto, dava-lhe Poe suma importância, pois certa vez em que publicaram uma coletânea de contos seus queixou-se de não ter o editor dado guarida na sua edição aos contos humorísticos. Disse ele: "Também não dá o volume nenhuma idéia de qualidade do meu espírito: escrevendo meus contos uns após outros, muitas vezes a longos intervalos, mantive constantemente diante dos olhos a idéia de sua continuidade e da unidade de minha obra. E penso que se se publicasse uma edição completa, seus traços característicos seriam sobretudo adiversidade" e a "variedade".
Nesses contos dava ele vasão ao seu espírito pilhérico, sarcástico, irónico, à sua tendência para a mistificação, para a representação, para o disfarce, herança decerto da "teatralidade" de seus pais, como havia nele, como já notamos, uma personalidade dicotomica, o espírito de ordem, de equilíbrio, de cálculo frio e raciocinante e o espírito de desordem, de desequilíbrio, de imaginação desorbitante e fantástica, os seus contos de humor não se mostram como finas peças de espírito ático, carecem da sutileza e da ironia venenosa de um Voltaire.
São excessivos, raiando muitas vezes pelo absurdo, pelo ridículo, pelo grotesco mais extremado. No seu livro O Humor Americano, Constance Rourke, ao tratar de Poe, observa que "sua risada apresentava uma só modalidade: inumana e mesclada à histeria. Visava triunfar dos caprichos e imbecílidades populares, o velho objetivo da comédia popular. Para atingir esse fim, em suas peças burlescas e extravagantes, deturpava incrívelmente traços e linhas humanos, empregando aquela grotesquerie que entre o cômico e o terrível: com Poe, o terrível sempre se achava à vista". Efetivamente não recuava ele diante do grotesco mais absurdo, mais exagerado, levando o "humor negro" a excessos de mau-gosto e de mais completa absurdez, como nos contos " Perda de Fôlego ", "O Homem que Foi Desmanchado".
Muitas vezes é a mera extravagância que lhe movimenta o espírito ou o simples burlesco, como em "Os Óculos". Valendo-se do recurso de pôr em cena o diabo, não um diabo impressionante, apavorante, mas um diabo meio ridículo, um diabo de teatro cômico cuja famigerada sutileza deixa muito a desejar, um diabo que gosta mais de fazer pilhêrias de mau-gosto do que de pôr almas a perder, como nos contos "Bon-Bon", "O Duque de l'Omelette", "O diabo no Campanário", "Nunca Aposte Sua Cabeça com o Diabo". críticas voltam-se especialmente contra os "nobres" ("Por o Francesinho Está com a Mão na Tipóia"), contra os negociantes ("O Homem de Negócios"), os trapaceiros ("A Trapaçaria "), os literatos. Estes, principalmente. Há uma série de contos a eles dicada. Desde "Leonizando" até às imitaçôes ridículas da maneira literária de certos autores e de certas revistas: "Vida Literária de Fulano-de-Tal", "Como Escrever um Artigo à Moda Blackwood", "Uma Trapalhada". O seu humor aí é feroz e deve ter ferido prontamente a vaidade de muito literato contemporâneo seu. Decerto os leitores desses contos conseguiam identificar as figuras, nele, ridicularizadas, caricaturadas.
A maioria desses contos humorísticos de Poe revela sua crítica, sua aversão, sua condenação a certos aspectos e modalidades do ambiente em que vivia. Suas tendências, suas predileções, suas repulsas e suas antipatias neles encontram caminho para desabafo, "Pequena Conversa com Uma Múmia", em que, ressus- itado um egípcio há milhares de anos mumificado, se faz ele das críticas de Poe aos exageros das ciências, do progresso e da Democracia, como domínio da massa sobre o indivíduo.
O abuso do absurdo, do trocadilho, do fantástico, do grotesco prejudica muitos dos contos humorísticos de Poe, que teria alcançado no gênero muito maior êxito se houvesse escrito mais coisas no estilo de "O Sistema do Dr. Abreu e do Prof. Pena", conto em que parece ter-se inspirado o nosso Machado de Assis para o seu O Alienista. Por mais desiguais em valor literário e bom gosto que possam ser esses contos humorísticos de Poe, represenentanto, uma contribuição importante para o estudo de sua personalidade literária tão complexa e tão contrastante.
O. M.
2 comentários:
Olá. Alguém poderia me dizer qual livro de contos possui "O Sistema do Dr. Abreu e do Prof. Pena"? Gostaria de ler, porém os livros que tenho do autor não contém esse conto específico. Obrigada. Parabéns pela página.
Histórias extraordinárias, companhia de Bolso, da Cia das letras.
Postar um comentário