por Oscar Mendes
Inegavelmente deve-se à França a difusão universal da obra de Poe. Foi através da tradução de Baudelaire que o mundo literário ocidental tomou conhecimento da novidade e do valor da mensagem do autor norte-americano. As traduções que de seus contos surgiram em muitos países foram feitas sobre a tradução de Baudelaire e não sobre o original inglês. Em 1845 aparece na Revue Britannique, que se publica em Paris, com uma notícia de Amédée Pichot, uma tradução por Borghers de "O Escaravelho de Ouro". no ano seguinte, em 1846, começa a verdadeira popularidade de Poe, na França, quando surge em La Quotidienne, sob o título de "Um Crime sem Exemplo nos Fastos da Justiça", uma adaptação feita por G. B. do conto "Os Crimes da Rua Morgue". O mesmo conto aparece meses mais tarde em tradução assinadas pelas iniciais O. N. (Old Nick, pseudônimo de Emile Forgues), com o título de "Um Sangrento Enigma".
Outros tradutores se seguem, como Isabelle Meunier, Léon de Wailly e William Hughes, até que, em 15 de julho de 1848, aparece em La Liberté de Penser, acompanhada de uma notícia sobre o autor, a tradução de "Revelação Mesmeriana" feita por Baudelaire, tradução que iria iniciar a verdadeira marcha de Poe pelos caminhos da literatura universal. Baudelaire foi traduzindo novos contos de Poe e a 12 de março de 1856, o editor Michel Lévy lançava num volume in-12 as Estórias Extraordinárias, de Poe, treze contos, traduzidos por Baudelaire, que é também autor de uma inINTRODUÇÃO sobre Edgar Poe, sua vida e sua obra. Estava assim projetado no mundo literário francês o escritor que trazia para a literatura, como do próprio Baudelaire dissera Vítor Hugo, um frisson nouveau. Esse "arrepio novo" iria transmitir-se a dezenas de escritores não só da França, mas de numerosos outros países, e não apenas escritores medianos, mas até mesmo os nomes mais destacados e mais em evidência.
O primeiro discípulo de Poe foi Emile Gaboriau com seus romances policiais que tinham como protagonista o policial Lecoq. Escritor medíocre, soube, no entanto, desenvolver aquilo que Poe começara com suas novelas policiais. Outro conhecidíssimo imitador e seguidor de Poe foi Júlio Verne, na linha do romance de ficção científica, de aventuras fantásticas. O que deve a Poe é enorme. Drama nos Ares e Cinco Semanas em Balão derivam de “Hans Pfaall” e da “Balela do Balão". A Esfinge dos Gelos é continuação da "Narrativa de Artur Gordon Pym". A Jangada desenvolve um tema existente em "O Escaravelho de Ouro". Em Vinte Mil Léguas Submarinas há reminiscências de "Descida no Maelstrom". A Volta ao Mundo em Oitenta Dias parte da idéia do conto de Poe "Três Domingos em Uma Semana". Castelo dos Carpatos está na linha dos solares misteriosos de Poe. A idéia de o "Diabo no Campanário" aproveitada por Verne em O Doutor Ox, que no mesmo livro vale de outra idéia de Poe em Eiros e Charmion. Da Terra à Lua é a estória de Hans Pfaall revivida.
Théophile Gautier, Prosper Mérimée, Barbey d'Aurevilly, Maupassant, Jean Richepin, Huysmans, Maurice Beaubourg, Ernest HelIo, Jean Lorrain, Henri de Régnier, Marcel Schwob, e J. H. Rosny (este no setor do romance científico) são dos mais proeminentes autores franceses de comprovada influência poesca. Mas a todos supera Villiers de l'Isle Adam, cognominado o Poe francês que com seus Contos Cruéis se mostrou um discípulo fiel que muitas vezes superou o mestre. Sua paixão e admiração por Poe levavam-no a decorar deste contos inteiros, que declamava com emoção impressionante.
Contam-se ainda como influenciados por Poe os escritores alsacianos Erckmann-Chatrian, e Henri Riviére, Octave Mirbeau, Eugêne Mouton, que chegou a escrever também uma cosmogonia, moda de "Eureka", intitulada A Origem da Vida. O romance policial teve com Gaston Leroux e Maurice Leblanc os melhores seguidores de Poe e Gaboriau. No teatro com Sardou, Fleischmann e Laumann, Poe foi imitado e adaptado. O chamado teatro de terror Grand Guignol., tem em Poe sua origem e André de Lorde e Leonormant são seus grandes fornecedores.Mas não apenas na prosa exerceu Poe sua ação fecundante renovadora. Na poesia, especialmente no movimento simbolista, Poe está presente. Podemos reconhecer-lhe a marca genial não apenas em Baudelaire, sobre o qual sua influência foi enorme e intensa, mas em Mallarmé, que lhe traduziu muitos poemas e lhe dedicou por ocasião da ereção do monumento fúnebre em Baltimore à memória de Poe, o seu célebre soneto que começa Tel qu'en lui-même enfin, l'éternité le change, em Verlaine, Rimbaud e Paul Valéry que o considerava o "poeta máximo". Interessante é que a influencia de Poe se exerceu com intensidade nas artes plásticas e até mesmo na música, como o revela a seguinte confissão de Maúrice Ravel "No que se refere à técnica musical, meu mestre foi certamente Edgar Allan Poe. Para mim, a mais bela dissertação sobre composição, decerto a que mais influência exerceu sobre mim, foi o ensaio de Poe sobre a genese de um poema."
Na Bélgica, Rodenbach e Maeterlink (Pelléas et Mélisande) não negam influências poescas. Na Alemanha, onde o conto de terror era tradição na forma de Hoffmann, um autor como Poe, que renovava o genero, não podia deixar de encontrar aceitação e ter repercussão. Todos os escritores românticos alemães, como o citado Hoffmann, Tieck, Lenau, Platen e Achim von Arnim, já haviam preparado o caminho para a popularidade de Poe e entre os mais conhecidos imitadores do autor de "O Gato Preto" contam-se Hanns-Heins Ewers e Gustav Meyrink.Na inglaterra a tradução da "Narrativa de Artur Gordon Pym", em 1844 não logrou repercussão, mas quando no ano seguinte foi publicado O Corvo na imprensa inglesa a voga de Poe foi imensa. A famosa poetisa Elizabeth Barrett Browning escrevia a um amigo: "uma sensação de horror, como convinha que se desse; ouço falar de pessoas perseguidas e assombradas pelo "nunca mais", e uma das minhas conhecidas que tem a desgraça de possuir um busto de Palas não ousa mais olha-lo assim que escurece um pouco." Logo após a morte de Poe, a publicação em Londres do necrológio caluniador de Griswold provocou um violento artigo na Revista de Edimburgo que terminava chamando Poe "um pulha de marca". Mas desde que John Ingran lhe publicou em 1874 as obras completas e as acompanhou de uma biografia, a reabilitação de Poe começou e sua fama espalhou-se. Swinburne e Oscar Wilde reconhecem-no como mestre. A chamada escola pré-rafaelita e especialmente seu chefe Dante Gabriel Rossetti tiveram-no como modelo admirado e imitado.
Mas a revelação mais importante da influência de Poe na Inglaterra ocorre com a estréia da novela policial de Conan Doyle Um Estudo em Vermelho em 1889, no Lippincott's Magazine, na qual aparece o policial Sherlock Holmes, evidentemente calcado no Dupin de Poe. A fama e a popularidade coroaram as subsequentes novelas de Conan Doyle e o romance policial, como já o mostramos na nossa nota sobre os contos policiais de Poe, tornou-se um gênero dos mais cultivados na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Alemanha, na França e outros países. O romance científico e de acontecimentos futuros encontrou em Wells um seguidor indiscutível de Poe.
Interessante de notar é a influência e difusão que teve na Rússia a obra de Poe. Desde 1839 aparecem as primeiras traduções de alguns contos de Poe, que em breve era o escritor norte-americano mais estimado e mais lido pelos russos. O poeta Constantino Balmont caracterizou-se pelas suas notáveis traduções e adaptações das poesias de Poe. Em 1878, surgia no Mensageiro da Europa a primeira tradução de "O Corvo" pelo poeta S. A. Andreievski. E já em pleno regime soviético o poeta Brusov publica Edgar Poe - Coleção Completa de Poemas e Versos. A obra de Dostoiévski foi profundamente marcada por Edgar Poe. É coisa incontestável.
E o romancista Andreievski alinha-se também entre seus influenciados. Mas a partir da década de 30, os críticos soviéticos, com a sua conhecida obtusidade exigida pela política literária do Partido desandaram a atacar Poe, especialmente um tal S. Dinamov, apontando-lhe a obra como característica da literatura capitalista decadente, imoral, burguesa, em que o artista se sente asfixiado pela pressão do regime econômico capitalista, crítica que faz a genti rir, quando pensa na "pressão" sufocante que sobre toda a litera tura russa moderna exerce inexoravelmente a polícia literária do governo comunista.
Na Espanha, a obra em prosa de Poe, através das traduções de Baudelaire, teve maior repercussão que a obra poética. Já em 1857, surgiam traduções de Poe na Espanha. Na Itália e Portugal a difusão de sua obra foi igualmente extensa, devendo-se neste último país ao poeta Fernando Pessoa uma tradução de "O Corvo". Na América Espanhola a poesia de Edgar Poe teve maior influência talvez que a prosa. A primeira tradução de Poe é de 1869. Em quase todos os países da América Espanhola poetas dedicaram-se a traduzir poesias suas. E dois escritores de primeiro plano foram seus admiradores e comentadores: Rubén Dano, que o chamava e "celeste Edgardo", e Amado Nervo. Na Colômbia, José Asunción Silva procurou introduzir na poética espanhola algumas das inovações rítmicas de Poe. No Uruguai, a teoria poética de Julio Herrera y Reissig decorre da de Poe, e na Argentina Leopoldo Lugones revela-se discípulo e admirador do poeta de "O Corvo".
No Brasil, os escritores que liam inglês tomaram bem cedo conhecimento da obra de Poe, como aconteceu ao nosso Machado de Assis, antes que aparecessem traduções das Estórias Extraordinárias, vertidas para o francês por Baudelaire. Machado de Assis, se não limitou os contos de terror, coisa que não estava no seu feitio espiritual, traduziu "O Corvo" e em dois contos humorísticos seus, O Alienista e O Cão de Lata ao Rabo, a idéia foi evidentemente inspirada em Poe. Em Monteiro Lobato, em alguns contos, e em Gabriel Marques, autor de Os Condenados, a influência poesca é visível. Na poesia, a difusão de Poe foi maior, dado o número de traduções que de sua obra poética se fizeram, a maioria de "O Corvo".
Por este levantamento, rapido e falho, pode-se, no entanto, verificar que Edgar Poe é dos raros autores cuja influência se faz sentir através dos tempos e sobre os espíritos mais diversos, como elemento gerador de novas criações e de renovação de temas.
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