sexta-feira, 16 de abril de 2010

CONTOS POLICIAIS - NOTA PRELIMINAR



Estórias de crimes e roubos misteriosos sempre foram do agrado polular desde a mais remota antiguidade. Entre os contadores populares de estórias nos mercados e praças públicas sempre havia um conto cujos heróis eram criminosos ou ladrões astutos e inteligentes, muito embora acabassem sendo descobertos. O famoso egiptólogo Maspero, no seu livro Contos Populares do Egito Antigo, apresenta um velho conto em que o tema é o roubo misterioso dos tesouros  do Rei Rampsinitos e que pode ser admitido como o primeiro exempIar de conto policial. As Mil e Uma Noites estão cheias de estórias de ardis e crimes.


Nos começos do século XIX, juntamente com o chamado romance noir, romance de mistérios, fantasmas, crimes e aventuras fantásticas, o romance em que se contam crimes e perseguiçóes a criminosos constitui uma literatura copiosa e de qualidade inferior, digo logo. Godwin, na Inglaterra, e Balzac, na França, fornecem amostras desse gênero tão do gosto do grande público. É essa também a época dos chamados romances-folhetins, que os jornais publicavam seriadamente em seus rodapés e nos quais ocorriam as aventuras mais intrincadas e mirabolantes. Foi, porém, Edgar Poe quem deu dignidade intelectual a essas estórias de crimes e de mistérios, traçando-lhes as regras gerais e princípios que ainda vigoram e que poucas inovações receberam. De modo que os críticos concordam geralmente em apontá-lo como o verdadeiro criador do conto policial do romance cuja finalidade é a descoberta do autor de um crime envolto em mistério. Sua primeira obra no género foi o conto "Os Crimes da Rua Morgue", publicado pela primeira vez no Graham's Magazine, de abril de 1841. Nele surge o tipo que irá ser o pai de toda uma numerosa geração de policiais ou detetives nas literaturas de todo o  mundo. Inspirado talvez no Zadig de Voltaire, que mostrara capacidade dedutiva na observação de rastros de animais, Poe imagina um homem de notável inteligência, de espírito agudo e cultivado, que se utiliza da teoria do cálculo das probabilidades de Laplace e da análise matemática para destrinçar casos misterioso e complicados.

Até então o herói do romance folhetinesco era o proprio criminoso ou o policial (aliás ex-criminoso), como no caso Vidocq, de acordo com uma tendência popular que acha prazer quando vê a policia ser surrada por alguém do povo. Em Os Miseráveis, de Vítor Hugo, romance publicado em 1862, João Valjean o criminoso simpático e Javert é o policial odiento e cruel. Edgar Poe faz de seu detetive uma criatura simpática, e para que o leitor, não o rejeite não faz dele um polícia profissional, mas um simples amador que revela, aliás, um desdém profundo pela polícia oficial e   seus métodos e processos. Esse francês, Dupin, a quem ele favorece com tantas qualidades intelectuais, culturais e sociais, será assim o protótipo do detetive amador e imitado por centenas de outros.

Não é um homem comum: é culto, é um esteta, é um poeta, é cientista, é um matemático, é um intuitivo, antes de tirar conclusões dos fatos que tem à mão. Para melhor fazê-lo desenvolver seus raciocínios, dâ-lhe Poe um interlocutor de ménores capacidades intelectuais, processo que mais tarde será utilizado por Conan DotIe, quando põe o seu Sherlock Holmes a dialogar com seu amigo, o médico Dr. Watson, e por outros autores de romances policiais como Hornung, Agatha Chrístie, etc.

Deve-se também a Poe o que chamaremos a "receita" do romance policial, tal como vem sendo preparada até hoje: a inversão e baralhamento dos fatos, a investigação a partir do crime até encontrar o criminoso , a possibilidade de várias pistas e de vários criminosos, o destrinçamento de todas  as complicações até a descoberta final do verdadeiro criminoso. O efeito teatral do suspense, tão comum aos romances policiais e levado ao cinema com tanta habilidade por Alfred Hitchcock, é também um dos ingredientes da "receita" de Poe.Após o exito  do seu primeiro conto policial, escreve, em 1842, "O Mistério de  Maria Roget ", baseado num crime ocorrido nas vizinhanças de Nova York, mas que ele situa em Paris. Aqui também cabe ao detetive amador Dupin a descoberta do crime. Mais tarde, em 1845, publica o terceiro conto da série que tem Dupin como protagonista, intitulado"A Carta Furtada". Desta década são ainda " O Escaravelho de Ouro",  em que a descoberta do tesouro enterrado deve se a um tal Legrand, tão ágil na arte de deduzir como Dupin, e o conto " Tu és o homem ", em que, muito embora não haja um detetive, cabe ao próprio narrador, mediante um ardil, levar o criminoso a confessar o seu crime, salvando um inocente contra o qual se acumulavam as mais irrefutáveis provas.O discipulo imediato de poe na França foi Emile Gaboriau com o seu policial Lecoq , na Inglaterra foi Conan Doyle, criando o seu universalmente famoso Sherlock Holmes copiado claramente do Dupin de Poe .

O genero policial  é hoje um dos mais florescentes em países como a Inglaterra, os Estados Unidos, a França, a Alemanha. Dupin está sempre vivo nos personagens que o imitam e o reencarnam no Sherlock de Conan Doyle, no Rouletabille de Gaston Leroux, no Raffles  de Hornung, no Juve de Souvestre e Allain ,no Nick carter de Dey, no Nero Wolf de Rex Stout, no Lord Peter de Dorothy Sayers, no Philo Vance de Van Dine, no Charlie Chan de Biggers, no Mr. Motto de Marquand, no Hercule Poirot de Agatha Christie , no Wens de Steeman, no Bulldog-Drummond de Sapper, no Perry Mason de Gardner, no Nayland Smith de Sax Rohmer, no Padre Brown de Chesterton, no Maigret de Simenon e em centenas de outros que fervilham nos milhões de romances policiais que se publicam em todo o mundo. Pouco se tem acrescentado à sua receita de conto ou romance policial. Por isso, Léon e Frédéric Saisset puderam afirmar no livro Les Histoires Extraordinaires d’Edgar Poe, em que historiam o amplo êxito obtido por seus contos , que o romance policial de observação deriva de "Os Crimes da Rua Morgue"; o romance policial psicológico, de "A Carta Furada e  o romance policial científico, de "O Místério de Maria Roger"
O.M.


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